Exame – 13/10/2020 –
Ministro Marco Aurélio Mello concedeu habeas corpus por considerar que o prazo para manutenção da prisão preventiva havia se esgotado.
Deputados que integram a comissão especial formada para discutir a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância anunciaram que vão entregar nesta terça-feira, 13, ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um novo pedido para retomar os trabalhos do colegiado.PUBLICIDADE
O requerimento é assinado pelo presidente da comissão, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), pelo relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), deputado Fábio Trad (PSD-MS), e pelo autor da proposta, Alex Manente (Cidadania-SP).
Os trabalhos do grupo foram suspensos em razão da pandemia da covid-19. Desde março, toda a pauta da Câmara está voltada para projetos que visem contornar os efeitos da crise sanitária.
A discussão, no entanto, reacendeu com a soltura do traficante André Oliveira Macedo, o André do Rap, apontado como líder do Primeiro Comando da Capital (PCC).
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu habeas corpus por considerar que o prazo para manutenção da prisão preventiva havia se esgotado e que a continuidade da medida cautelar era ilegal uma vez que não houve decisão judicial decretando sua renovação nos últimos 90 dias – conforme prevê a legislação desde que foi aprovado o Pacote Anticrime.
“Esse episódio de soltura do tal André do Rap torna ainda mais urgente uma solução estruturante pro nosso sistema processual. Essa solução é a PEC da Segunda Instância. Com ela, André do Rap não estaria em prisão preventiva, estaria já cumprindo a pena!”, escreveu nas redes sociais o deputado Marcelo Ramos.
“Renovamos o apelo para que o colegiado de líderes coloque na pauta o Projeto de Resolução que permite reinstalar as Comissões e que o presidente reinstale a comissão da PEC 199 para que possamos analisar e votar o relatório”, completou o parlamentar.
Divergências
Também já existem decisões nas cortes superiores que divergem da posição de Mello – o que tornaria essencial a posição do plenário do STF. O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo, negou em maio soltar um investigado que recorreu ao tribunal com o mesmo argumento de André do Rap.
Para Fachin, a ausência de reavaliação não retira do juiz o poder de averiguar a presença dos requisitos da prisão. Portanto o ministro só determinou que o magistrado responsável analisasse o caso. Foi o mesmo entendimento do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do STJ. “Eventual atraso na execução deste ato não implica automático reconhecimento da ilegalidade da prisão, tampouco a imediata colocação do custodiado cautelar em liberdade”, escreveu em decisão de junho.
Mello rejeitou a avaliação de que o tema precisa ser analisado pelo plenário. Para ele, a “onde a norma é clara e precisa, não cabe interpretação”. “O que precisamos é nos acostumar a cumprir a lei”, disse ao Broadcast/Estadão. “Cada cabeça, uma sentença”, respondeu ao ser indagado sobre as posições dos colegas. “Qualquer pessoa letrada em Direito vai concluir que não cabe interpretação. Fora isso é a babel, é o critério de plantão.”
MP nega erro; criminalistas defendem regra
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) criticaram ontem a tese de que o Ministério Público contribuiu para a soltura de André do Rap. As entidades negaram omissão do MP e afirmam que a obrigação de revisar a manutenção da prisão, a cada 90 dias, é imposta só ao juízo de 1.º grau ou ao tribunal que impôs a medida cautelar.
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), atribuiu responsabilidade ao MP. “Se o procurador tivesse no prazo de 90 dias respeitado a lei, certamente o ministro Marco Aurélio não teria liberado o traficante”, disse anteontem.
As entidades também criticaram o ministro do STF. Segundo a nota em “posição até agora isolada”, ele vem compreendendo que, configurado o excesso de prazo da prisão, deve ser determinada a soltura. “Quando do julgamento do mérito desses casos, a 1.ª Turma do STF tem refutado o argumento e vem cassando as liminares deferidas. No caso André do Rap, a soltura foi determinada, inclusive, antes de qualquer ouvida do MP”, acrescenta.
Apesar das críticas de parte dos parlamentares e de especialistas em segurança sobre essa exigência da lei, criminalistas dizem que o item evita excessos na prisão preventiva e garante o direito de defesa em todas as instâncias, não apenas para quem tem à sua disposição um grande aparato de advogados.
“Ele vem justamente para proteger o réu comum, que tem a prisão preventiva muitas vezes desde o início do caso e não tinha dispositivo legal que obrigasse a magistratura a revisar a necessidade disso”, diz a advogada criminalista Dora Cavalcanti, sócia do Cavalcanti Sion Salles Advogados. “Temos um problema crônico. Não é nada para se orgulhar termos um índice de mais de 40% de presos provisórios no sistema.”
Os advogados também criticam a atuação do presidente do STF, Luiz Fux, que revogou a soltura. “Ele (Fux) olhou para o alvo e não para as provas dos autos”, avalia Adib Abdouni, advogado criminalista e constitucionalista. Para ele, o ministro teria um “modo de enxergar pela opinião popular”, ao passo que Mello analisou os casos “sob a luz da Constituição” e de forma “mais garantista”.