Portal R7 – 20/12/2018 –
Dificuldade está na interpretação do artigo 139, inciso IV, do novo Código de Processo Civil; medidas são duras demais?
A decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de manter bloqueio de passaporte e CNH como meio para cobrar a dívida na falta de apresentação, pelo devedor, de meios mais eficazes e menos onerosos para quitar seu débito ainda é controversa, segundo advogados consultados pela coluna.
A dificuldade está na interpretação do artigo 139, inciso IV, do novo Código de Processo Civil, de 2015, que diz que o juiz poderá determinar todas as medidas necessárias para o cumprimento da ordem judicial.https://80bfacd5787048840478e5e2a78c80de.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Processo tem que ter fim
Para o advogado criminalista e constitucionalista Adib Abdouni, esse artigo autoriza o juiz a adotar essas medidas coercitivas extremas para cumprir a própria Constituição que, em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, manda sejam assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Para o advogado, tais medidas só podem ser utilizadas quando se identifica que existe mesmo uma obstrução do devedor à Justiça, quando ele está escondendo seu patrimônio.
“O juiz tem que zelar para que o processo não se eternize e o devedor não fique se beneficiando com obstruções da Justiça ou omitindo seu patrimônio. Se ele pode viajar, é sinal que tem condições de arcar com parte da dívida. Se ele tem carro, pode vender esse carro para pagar essa dívida. Não pode ficar frustrando os pagamentos através de simulação”, diz Abdouni.
O advogado especializado em Direito Bancário, Alexandre Berthe, concorda com Adbouni.
“Acho que essa é uma boa decisão que vai servir para tornar os processos mais ágeis nos casos em que o devedor dificulta a cobrança, são para casos bem específicos. Não é para uma pessoa que está em estado de miséria ou de alguém que depende desses documentos para trabalhar e conseguir pagar o débito, como um motorista de caminhão, de táxi, de Uber. Além disso, o devedor vai poder continuar recorrendo da decisão.”
Dever não é crime
Para o advogado Luciano Godoy, sócio do PVG Advogados e professor da FGV Direito em São Paulo, o artigo 139, IV do Código de Processo Civil não autoriza a apreensão da CNH ou do passaporte do devedor para constrangê-lo ao pagamento da dívida.
“Restringir a liberdade de ir e vir com a apreensão da CNH ou do passaporte significa retornarmos a tempos antigos quando o devedor respondia com o próprio corpo pelas dívidas”, afirma. Ele lembra que, na Roma Antiga, por exemplo, o devedor que não conseguisse quitar suas dívidas poderia se tornar um escravo para pagar com o próprio corpo a sua inadimplência.
“As medidas de força podem ser autorizadas judicialmente se e unicamente forem relacionadas a uma cobrança em discussão. Como exemplo, um devedor de um crédito bancário pode ter bloqueado o patrimônio, as transferências bancárias, o crédito, etc. Dever não é crime.”
Penúria do credor
Berthe contesta: “Dever não é crime, mas alguns devedores se comportam como criminosos na medida em que colocam todos os seus bens em nome de terceiros e vivem uma boa vida, enquanto as pessoas para quem eles devem muitas vezes estão em situação de penúria.”
O advogado lembra que os credores não são vistos com simpatia, por serem associados a quem tem dinheiro. Mas essa é uma ideia injusta. “Há devedores e credores de todo tipo. Imagine se você é um pintor de paredes e ao fazer o serviço o dono da casa decidiu te pagar em quatro cheques e três deles não tinham fundo. É preciso também olhar o lado do credor.”