Estadão – 15/03/2018
Um dos principais instrumentos de combate aos crimes financeiros e corrupção tem sido largamente utilizado pela Polícia Federal e pela Procuradoria, como nos escândalos do Mensalão e da Lava Jato
Um dos principais instrumentos de combate aos crimes financeiros e corrupção, a Lei de Lavagem de Dinheiro, está completando 20 anos. Advogados, penalistas e constitucionalistas destacam que a lei tem sido usada em larga escala nas mais importantes investigações da Polícia Federal e da Procuradoria, como nos escândalos do Mensalão e da Lava Jato. Alguns, porém, alertam que a lei ‘tornou-se mais uma daquelas que no imaginário parecem boas, mas servem muito mais para o arbítrio e excesso do que para sua correta aplicação’
A advogada Anna Julia Menezes, do departamento de Direito Penal do Braga Nascimento e Zilio Advogados, avalia que a criação da Lei de Lavagem de Dinheiro ‘abriu a possibilidade de punir quem ocultasse valores que tivessem origem criminosa, como tráfico de drogas, terrorismo, crimes contra a administração pública e outros’.
Ela ressalta que a legislação deu origem ao COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão responsável por identificar atividades financeiras ilícitas.
Anna Julia destaca ainda que, apesar das inúmeras críticas que sofreu quando da sua criação, a lei que combate a lavagem de dinheiro, principalmente após a promulgação da Lei nº 12.683/12, ‘vem exercendo papel relevante ao longo da história’. “O maior exemplo é o que resultou na condenação de um ex-presidente da República.”
Segundo o advogado constitucionalista e criminalista Adib Abdouni, ‘a lei trouxe notável avanço aos mecanismos de prevenção e combate às ações delituosas de lavagem de dinheiro e de ocultação de bens’.
Abdouni também aponta a importância da criação do COAF. “Cabe destacar que em 2012 o legislador, atento à sofisticação crescente das ações de organizações criminosas, aperfeiçoou o texto, com o recrudescimento das penas e a ampliação da qualificação da origem ilícita dos recursos investigados.”
Para ele, ‘isso tornou mais eficiente a persecução penal dos crimes de branqueamento de capitais, com identificação e elucidação precisas dos rastros deixados por ações criminosas, especialmente as praticadas contra a administração pública, notabilizadas pela corrupção e saque aos cofres públicos’.
“O resultado pode ser medido pelas bem sucedidas operações que investigaram protagonistas do Mensalão e da Lava Jato, escândalos que culminaram na condenação de personagens ‘que até então se consideravam fora do alcance da lei penal”, afirma Abdouni.
Para o advogado Daniel Gerber, esta é uma lei fundamental que, em sua origem, serviu tanto para colocar o sistema jurídico em harmonia com as regras internacionais de compliance quanto para a garantia de que não seria utilizada sob qualquer argumento – na medida em que se preocupava com a natureza jurídica do crime antecedente como sua condição de existência.
“Hoje, sem o rol taxativo de crimes antecedentes e sem a necessidade de prova de sua existência, tornou-se mais uma daquelas leis que no imaginário parecem boas, mas servem muito mais para o arbítrio e excesso do que para sua correta aplicação”, afirma Gerber.
De acordo com Fernando Araneo, sócio responsável pela área de Direito Penal do Leite, Tosto e Barros Advogados, é inegável a importância da tipificação do crime de lavagem de dinheiro no combate à criminalidade. Mas ele faz ressalvas.
“Com a atual redação há o risco de banalização do instituto, uma vez que, por definição, ‘infração penal’ engloba, além dos crimes de menor potencial ofensivo, as contravenções penais”, assinala Fernando Araneo.
”Sendo assim, o autor do crime de menor potencial ofensivo ou contraventor poderá se ver sujeito a uma pena superior àquela relativa à própria infração antecedente.”
“A sugestão para mitigar esse tipo de desproporcionalidade seria aquela adotada pela Lei nº 12.850/13 que, ao tipificar organização criminosa, limitou sua incidência aos crimes cuja pena máxima seja superior a quatro anos”, afirma.
Ele observa, ainda, que muito embora a modernização da Lei nº 9.613/98 represente um grande avanço no combate à criminalidade, ‘a exacerbada ampliação do seu alcance acaba por gerar situações de patente afronta aos princípios basilares do Direito Penal, como da mínima intervenção e da proporcionalidade da pena, tornando clara a necessidade de readequar a norma para evitar tais injustiças’.
No entendimento do professor e criminalista do Scheid & Azevedo Advogados, Carlos Eduardo Scheid, ‘à medida que os países forem trocando as informações financeiras de pessoas que mantinham valores no exterior não declarados, a Lei de Lavagem de Dinheiro ganhará contornos de aplicação ainda maiores, o que levará ao reexame, por parte dos Tribunais, de muitos posicionamentos que já foram adotados nos últimos anos, principalmente sobre o caráter permanente ou instantâneo com efeitos na modalidade ocultação’.
“Os próximos anos ainda serão marcados por debates mais acirrados que os já existentes desde a criação da lei”, prevê Carlos Eduardo Scheid.