ConJur – Consultor Jurídico –
O caso do pequeno Henry Borel não deve ficar sem solução.
A morte do pequeno Henry Borel choca a sociedade brasileira, ganha contornos de tragédia anunciada por ato omissivo e exige que o aparelho estatal investigue com profundidade o caso, a fim de que a punição daqueles que sejam comprovadamente culpados afaste qualquer sentimento de impunidade, especialmente por envolver a suspeita de que o autor do delito, em tese, seja um agente político de envergadura e influência locais na cidade do Rio de Janeiro.
As consequências do assassinato de uma criança transcendem o sofrimento do núcleo familiar da vítima ante a subversão da ordem natural da vida e a todos comove, ainda mais quando presentes indícios de que a evitação da morte foi negligenciada pela mãe do infante.
Além disso, o quadro agrava-se em decorrência da divulgação de fatos que revelam que o autor do crime, teoricamente, agrediu violentamente uma criança que não poderia esboçar qualquer reação, impelido por motivo torpe, consistente em intolerância primitiva e covarde, em revide ao natural comportamento provavelmente indócil de uma criança, passando a espancá-la e torturá-la.
Com efeito, as contradições nos depoimentos prestados pelos investigados (Doutor Jairinho e a mãe de Henry, Monique) perante a autoridade policial, aliadas ao que contido no laudo necroscópico (que aponta para a ocorrência de severa hemorragia interna e laceração hepática provocada por ação contundente), afastam, a princípio, a tese defensiva de que o evento morte tenha se originado de simples acidente doméstico.
Ademais, as declarações de terceiros obtidas pela polícia constituíram fundamentos idôneos — sem antecipação da formação da culpa dos averiguados, que ostentam o direito constitucional inalienável ao contraditório, à ampla defesa e à presunção de inocência — para autorizar a abertura da investigação por parte da delegacia de polícia especializada em crimes contra a criança e adolescente.
Merece elogios a celeridade da investigação realizada pela polícia fluminense, que identificou robustos indícios acerca de um histórico de violência praticado pelo investigado contra o menino Henry, com suposta ciência e omissão da mãe da vítima. Os policiais também identificaram a tentativa de ambos os averiguados de atrapalhar o êxito da investigação criminal, mediante, em tese, a ameaça de testemunhas e do possível alinhamento de versões de depoimentos dissociados da realidade dos fatos.
Justificado, portanto, o reconhecimento judicial, com tecnicidade e solidez jurídica, acerca da imprescindibilidade do decreto da prisão temporária dos investigados — na forma da Lei 7960/89 — pelo prazo de 30 dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade (Lei 8072/90), tendo em vista cuidar-se de hipótese do cometimento de crime hediondo, resultante do homicídio duplamente qualificado, por força do motivo torpe e do suposto emprego de tortura sem chance de defesa para a pequena vítima.
Tudo para assegurar o efetivo desvendamento policial desse grave episódio, haja vista que a tenra idade de Henry representa causa não só de estarrecimento social, mas, também, de indignação no campo jurídico-processual, a desaguar na ampliação da reprovabilidade da conduta, com recrudescimento da pena a ser imposta no caso de condenação do autor, autores ou partícipes do delito, mediante valoração negativa das consequências do crime, com aplicação das majorantes previstas na legislação penal.
Deveras, quem mata uma criança ou nada faz para impedir seu falecimento age de forma repugnante, desprezível e vil, a franquear a inclusão da qualificadora específica para o tipo penal em jogo, posto que se mostra claro e inequívoco que uma criança não pode esboçar qualquer reação diante da agressão de um adulto, a ressaltar a gravidade do crime praticado.
Considerando a periculosidade do provável autor do delito — notabilizada pela especial ousadia, desinibição e desprezo pela vida —, toda a sociedade aguarda a condenação dos culpados.
E a lei penal tem a resposta adequada, que ultrapassa a mera apenação daquele que expõe a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, haja vista que o homicídio qualificado está sujeito à pena de reclusão de 12 a 30 anos, observado o aumento da pena em um terço tendo em vista o crime ter sido praticado contra menor impúbere, na forma do artigo 121, §§2º e 4º, do Código Penal.
Enfim, a perplexidade do caso deve ser causa de uma reflexão maior por parte de todos, a fim de buscarmos o aperfeiçoamento do sistema legal protetivo da criança, com o propósito inabalável de evitar que perdas como essas não voltem a ocorrer; ou, ao menos, que haja a redução de violações dos direitos das crianças — não só sobre a vida —, mas também acerca da diminuição da pobreza alimentar, dos índices de violência doméstica e do trabalho infantil, sem perder de vista que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação desses direitos.