Publicado no site ESTADÃO
Nesse momento em que se observa a persistência de um quadro de crise mundial causada pela eclosão da nova variante Ômicron da Covid-19, compete aos governos – em todas as suas esferas – o implemento contínuo de medidas emergenciais e transitórias com a finalidade de evitar a disseminação do contágio da nova cepa e proteger a coletividade.
Até porque, é notável que a imprevisibilidade acerca do momento em que cessarão os riscos da pandemia revela que desdobramentos outros continuarão a impactar a economia brasileira, atingindo indiscriminadamente os mais expostos e vulneráveis socialmente, assim como a atividade produtiva, a queda de faturamento e, por conseguinte, a expressiva perda de renda dos indivíduos e das famílias, seja ela formal ou informal.
Não por outro motivo, é que a povo brasileiro exige especialmente do Governo Federal a execução de políticas públicas ágeis e contundentes de caráter nacional para conter a expansão do novo coronavírus e suas variantes, a exemplo da amplificação de auxílios emergenciais, a manutenção de empregos, a suspensão dos vencimentos de compromissos financeiros e tributários inadiáveis e – em caráter cautelar – o controle sanitário de nossas fronteiras. PUBLICIDADE
A omissão, qualificada pelo negacionismo, não é tolerada pela massa da população.
De tal sorte, o incompreensível negacionismo do Presidente da República acerca da gravidade do estado de calamidade da saúde pública brasileira e de seus deletérios efeitos sobre a vida da população é afligente, posto que pautado por seu caráter ideologizado.
Cenário inercial esse que resulta em inescusável falha do dever de agir para evitar o recrudescimento da disseminação da variante Ômicron (que apresenta maior grau de transmissibilidade), o que justifica e autoriza a judicialização da questão perante do Supremo Tribunal Federal, sem que isso implique em violação ao princípio constitucional da separação de poderes, muito menos em interferência no Poder Executivo.
Provocada, a Corte Suprema – por meio de decisão monocrática do ministro Luís Roberto Barroso – atuou corretamente ao determinar a obrigatoriedade da apresentação do passaporte da vacina para entrada no país, haja vista que salta aos olhos que a quarentena proposta seria uma medida pouco eficaz, devido à dificuldade no monitoramento por parte das autoridades.
Até porque, o aludido comando judicial nada mais faz do que exprimir concordância ao postulado constitucional que visa diretamente à preservação da saúde – direito universal assegurado no artigo 6º da Constituição Federal -, na exata compreensão de que o cidadão não pode (ante a mora do Estado) ser lançado à própria sorte, vez que em jogo dilema acerca da proteção ao mais importante bem jurídico, qual seja, o direito à vida, de que trata o artigo 5º da Carta da República, o que não deve ser confundido com qualquer propósito extravagante do Poder Judiciário de avaliar a oportunidade e conveniência das políticas de fronteira a cargo do Poder Executivo.
E isso sem perder de vista que a posição manifestada pelo ministro Luís Roberto Barroso – além de examinar a questão sob o crivo de sua constitucionalidade, à luz dos direitos à vida e à saúde da população e do dever do Estado de tutelá-los -, está ancorada na ciência e nas recomendações estritamente técnicas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), quanto às condições para ingresso no Brasil de pessoas vindas do estrangeiro. Sobretudo, a exigência de comprovante de vacinação.
Noutras palavras, além do prisma constitucional, a excepcionalidade e transitoriedade da medida jurídica restritiva encontra fundamento técnico emanado do órgão regulador, o que chancela a implementação de mecanismos limitativos de direitos para o enfrentamento da situação emergencial de saúde pública, afinando-se com o figurino constitucional brasileiro no que compete ao pleno exercício da soberania nacional, vez que que o asseguramento ao direito à liberdade de locomoção do cidadão para ingressar no território nacional não deve se sobrepor ao interesse público maior e coletivo da sociedade (saúde).
Entre proteger o direito individual (ainda que qualificado como direito subjetivo inalienável) ou fazer prevalecer contra essa prerrogativa fundamental um interesse coletivo, mostra-se presente um dilema de ordem ético-jurídica que deve ser solucionada pelo Estado, tendo em mira, a obrigação indeclinável de garantir o direito à vida de toda a coletividade.
Foi o que fez o Supremo Tribunal Federal, de modo a concluir que a exigência do passaporte de vacinação (como medida profilática de prevenção geral e de combate à propagação da variante Ômicron) – respeita a Carta da República e, na forma da jurisprudência constitucional, o princípio da prevenção e da precaução, segundo o qual, havendo dúvida sobre eventuais efeitos danosos de uma providência, devem ser adotadas medidas mais conservadoras e aptas a evitar o dano, desde que persistentes as evidências científicas que recomendem maior proteção.