Estadão – 23/02/2018 –
Em defesa da Lei Antiterrorismo.
O Brasil integra o rol de nações com as cidades mais violentas do mundo, com estatísticas de mortes que superam os homicídios registrados em guerras civis e convencionais em curso no oriente médio ou no continente africano.
Contudo, não se tem notícia consistente sobre a ocorrência de atos terroristas ou da existência de redes de organizações instaladas em território nacional com essa finalidade, assim como se vê nos Estados Unidos ou em países da Europa.
Historicamente, nosso país vem acolhendo, com boa receptividade, imigrantes das mais diferentes raças, nacionalidades e credos, cuja convivência harmônica em território nacional é exemplo para o mundo, notabilizada por uma ímpar miscigenação.
Nessa linha poderíamos questionar se o Brasil precisaria ou não ter uma lei específica para combater o terrorismo, à míngua de fatos contrários à ordem nacional, qualificáveis como atos de terror.
Ocorre que o legislador constituinte estabeleceu que a República Federativa do Brasil rege-se pela prevalência dos direitos humanos, pela defesa da paz e a solução pacífica dos conflitos, registrando, de forma expressa, o repúdio ao terrorismo nacional e internacional, estabelecendo, outrossim, em seu artigo 5º, inciso XLIII, que a lei considerará o terrorismo como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, por ele respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-lo, se omitirem.
Daí o Poder Executivo – aparentemente impulsionado pela realização dos Jogos Olímpicos de 2016 e cobrado por organismos estrangeiros de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento de terrorismo — ter submetido ao Congresso Nacional, em 2015, o projeto de lei com vistas a disciplinar a matéria e adequar nosso arcabouço jurídico aos tratados internacionais subscritos pelo Brasil (a exemplo da Convenção Interamericana Contra o Terrorismo assinada em 03.06.2002, definido, pelos membros integrantes da Organização dos Estados Americanos, como uma grave ameaça para os valores democráticos e para a paz e a segurança internacionais), ainda que passados mais de 27 anos da promulgação da Constituição Federal.
O texto da Lei 13.260/16 (“Lei Antiterrorismo”) respeitando os direitos e garantias fundamentais, estabeleceu reprimendas mais duras para punir atos terroristas de modo que enfrentou o tema a fim de evitar que o país fique vulnerável a atos futuros dessa ordem, a desestimular que grupos extremistas vissem no Brasil uma via de fomento do terror, definindo, nessa ótica, como organizações terroristas, aquelas cujos atos preparatórios ou executórios ocorram por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, que tenham por finalidade provocar o terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, o patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
Vale dizer que conteúdo original do projeto de lei sofreu significativa alteração no Senado Federal para tipificar um rol mais amplo de condutas como atos de terror, que, entretanto, foi pontualmente vetado, na medida em que algumas distorções ali existentes – qualificadas como definições excessivamente amplas e imprecisas — deixavam margem subjetiva e potencial à aplicação do texto incriminador em relação a manifestações promovidas por movimentos sociais, assim que consideradas como causadoras de terror social generalizado, cujas ações e resultados – eventualmente contrários ao ordenamento jurídico – já se encontram tipificadas na lei penal ordinária.
Aliás, sobre essa questão, o legislador andou bem ao dispor, no parágrafo segundo do artigo 2º da Lei 13.260/16, que não se qualificam como terrorismo as condutas individuais ou coletivas de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais.
Porém, a Lei Antiterrorismo, enquanto produto de criação do pensamento humano não é perfeita, e como tal, mesmo após os vetos, ainda contém pontos passíveis de críticas. Exemplo disso é a controvérsia sobre as definições genéricas, de caráter mais vago ou impreciso, acerca das condutas contrárias à norma penal tipificadas como atos de terrorismo — cuja indefinição também é uma dificuldade que se encontra no plano da legislação internacional —, assim como a questionável punição dos atos preparatórios contidos no artigo 5º., da Lei 13.260/16 (punição mesmo antes do início da execução do crime), que, por tradição do direito penal brasileiro, somente comportam reprimenda quando por si só constituírem delito autônomo, e, por conseguinte, quando o crime tiver se iniciado, a ingressar na esfera de possibilidade de punibilidade.
Enfim, em tempos de explosão irrefreável da violência em nosso país, notabilizada por ações de grupos e facções do crime organizado no tráfico de drogas e de armas, atuando em rede, de forma transnacional e sem limite de fronteiras — a exigir até mesmo a intervenção da União em unidade da federação com tropas do exército nas ruas —, ainda que não tenhamos uma definição mais fechada daquilo que seja considerado como atos de terror, a Lei 13.260/16 cumpre seu papel de repúdio ao terrorismo, competindo ao aplicador da lei penal bem aplicá-la ao caso concreto, sem prejuízo de que o texto venha a ser aperfeiçoado pelo legislador no futuro.
Adib Abdouni, advogado constitucionalista e criminalista.