Estadão – 24/01/2019 –
Profissionais do Direito Penal e do Constitucional divergem sobre propostas que ministro da Justiça pretende encaminhar ao Congresso para enfraquecer crime organizado.
Advogados que atuam em causas do Direito Penal e do Constitucional dividem-se sobre a proposta que deverá ser enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso para permitir que o Estado confisque bens de criminosos mesmo sem provas de que estes tenham sido comprados com dinheiro de origem ilícita. Para alguns, a proposta fere a Constituição por inverter a lógica da presunção de inocência. Outros, como a constitucionalista Vera Chemim, entendem que a medida é uma ‘chacoalhada necessária na legislação penal’.
Chamada de ‘confisco alargado’, a proposta faz parte de um pacote elaborado pelo ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública) que visa enfraquecer o crime organizado.
Se aprovada na Congresso, será permitido que bens de condenados por crimes como tráfico de drogas, corrupção e associação criminosa sejam tomados pelo Estado caso os reús não consigam provar sua origem lícita.
Moro apresentou na sexta-feira passada ao presidente as proposições que pretende incluir no plano, mas elas ainda não estão totalmente fechadas.
Outra medida, que deve seguir depois para o Congresso, é a que prevê o confisco de bens na esfera cível, mesmo que não haja condenação criminal, conhecida como extinção do domínio. Nesse tipo de ação, que será aberta se houver indícios de que os bens foram adquiridos por meio de crime, o proprietário teria de explicar como obteve o patrimônio – caso contrário, perderia o bem.
A intenção da proposta é elogiada pelos advogados, mas a avaliação é que o ‘confisco alargado’ fere a Constituição.
“Para que as iniciativas de combate ao crime sejam eficientes, devem se revestir de legitimidade e constitucionalidade”, afirma a advogada Nathália Rocha Peresi, especialista em Direito Penal Empresarial.
“Há algumas medidas no pacote que esbarram na Constituição, como o confisco alargado, que invertem a lógica da presunção de inocência e, antes que se diga que medidas drásticas no combate ao crime são necessárias, importa lembrar que não é apenas o ‘criminoso’ que perde com o sacrifício da Constituição, mas o povo, sem distinção”, avalia Nathália Peresi, sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados.
Para o advogado Jorge Nemr todo esforço do Brasil para combater a corrupção é importante. “Inclusive este é o recado dado em Davos, mas não podemos usar este argumento para tomar medidas que claramente mudam a nossa Constituição e ferem garantias individuais e princípios básicos do nosso Direito”, diz Nemr, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados
O advogado constitucionalista e criminalista Adib Abdouni defende e define o pacote de Moro como um ‘consistente mecanismo de enfraquecimento’ do poderio econômico do crime organizado, no combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e à ocultação de bens.
“Uma eventual proposta legislativa contendo a ampliação das hipóteses de sua incidência resultará em modernização do sistema penal brasileiro”, avalia Abdouni.
Mas, para ele, ‘qualquer iniciativa que proponha a expropriação indiscriminada da propriedade com base em mera presunção de culpa fustigará o mandamento constitucional que garante a presunção de inocência do indivíduo contra o arbítrio do Estado punitivo’.
Constitucionalista apoia
Especialista em Direito Constitucional e mestre em Direito Público e Administrativo pela FGV, a advogada Vera Chemim não vê confronto com a Carta.
Para ela, a proposta é uma ‘chacoalhada’ necessária na legislação penal e processual penal, cujos dispositivos encontram-se defasados e necessitam ser ajustados de acordo com a conjuntura atual.
“Partindo do pressuposto de que, nos países como o Brasil, cujo sistema jurídico é o civil law, de origem romano-germânica, em que a lei escrita predomina relativamente aos costumes e à jurisprudência (precedentes), as críticas acerca da eficácia daquelas medidas e a suposta ameaça que elas representam, na prática, para os acusados não encontram guarida, pois todos os projetos serão debatidos e aprovados pelo Poder Legislativo”, esclarece Vera Chemim.
A advogada acrescenta que, pela própria origem jurídica, ‘há que se reconhecer a prevalência do princípio da legalidade’.
“Esse princípio estabelece tanto os poderes atribuídos ao Ministério Público, quanto o poder de homologação e/ou aprovação por parte dos magistrados e dos tribunais superiores, como garantia do atendimento dos dispositivos constitucionais que, nesse caso, remete aos direitos fundamentais dos acusados, como o devido processo legal, direito à defesa e ao contraditório, além de outros, e dos dispositivos legais a serem eventualmente modificados, conforme aquele princípio”.