ConJur – Consultor Jurídico – 14/12/2018 –
A supressão do item 40 do Perguntas e Respostas do programa de repatriação de recursos de 2016 é a última pulga a se alojar atrás da orelha de quem aderiu ao programa. A suspeita geral é que o que foi acordado será ignorado e as pessoas que pensaram ser isentas poderão ser responsabilizadas.
O Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct) foi um modo que os governos Dilma Rousseff e Michel Temer acharam para aumentar a arrecadação. Trata-se de um programa para brasileiros que tenham dinheiro não declarado no exterior possam repatriar os valores, mediante pagamento de multa, sem ter que explicar a origem do dinheiro e nem ser responsabilizados por qualquer motivo.
Só que os ventos são outros. A menos de um mês de assumir de fato o Ministério da Justiça, Sergio Moro já indicou que uma de suas metas é investigar R$ 174,5 bilhões pertencentes a brasileiros que estavam no exterior sem registro na Receita Federal e que voltaram ao Brasil por meio do Rerct.
A lei que formalizou o programa proibiu a abertura de investigação tendo a declaração como único indício de crime, com o intuito de incentivar adesão e evitar autoincriminação, um direito constitucional.
No entanto, a perspectiva da equipe de Moro é destravar essa barreira a partir de outros caminhos investigatórios, em especial aqueles oferecidos pela integração do Coaf aos órgãos de investigação criminal e o cruzamento de bases de dados que hoje operam isoladas umas das outras.
O primeiro passo é visto como a supressão do item 40 do Perguntas e Respostas do Rerct de 2016. Esse texto havia sido publicado no site da Receita, na época das adesões ao programa, para instruir os contribuintes sobre como interpretar a lei que instituiu o regime.
O receio geral é que a Receita “reinverta” o ônus da prova: ou seja, passe a pedir que as pessoas provem a origem lícita do dinheiro, quando que a adesão do programa havia retirado esse trâmite.
Leia abaixo a opinião de tributaristas sobre a possível mudança:
Breno Dias de Paula
“O Programa de Repatriação dispensava expressamente a explicação quanto a origem dos recursos. Eis a ilegalidade e absoluta falta de segurança jurídica no país. O problema é que a Receita muda as regras do jogo e, o que é mais grave, ainda faz a inversão do ônus da prova. A Receita poderia, em tese, até investigar. Mas jamais inverter o ônus da prova e impor ao contribuinte, agora 2 anos depois, o dever de se auto incriminar”.
Igor Mauler Santiago
“Caberá ao Estado provar que os recursos são ilícitos, e não ao contribuinte provar que são lícitos”.
André Menescal Guedes – Nelson Wilians e Advogados Associados
“É louvável a iniciativa do futuro ministro, que não se distancia dos parâmetros norteadores do Programa de Repatriação, concluído com recorde mundial de arrecadação pelo governo brasileiro em 2016 e 2017. Mas é preciso cuidado na escolha das medidas a serem adotadas, para que não firam as garantias dadas pela lei e não criem mais uma crise de segurança jurídica para aqueles que, longe de ocultar a origem espúria de recursos no estrangeiro, só desejavam acertar suas contas com o Fisco”.
Luciano Santoro – Fincatti Santoro Sociedade de Advogados
“Quem participou do processo, o fez confiando nas instituições federais, prestou todas as informações e atendeu os requisitos do Programa. Portanto, entendo que, a essa altura, falar em investigar os recursos repatriados é um verdadeiro desserviço. Caberá ao ministério provar se houve algum tipo de irregularidade, não ao contribuinte”.
Adib Abdouni
“Pode ocorrer um desvirtuamento da finalidade da Lei 13.254/16, uma vez que o texto legal já impunha como condição da legalização de sua internalização em território nacional a comprovação, por parte do aderente, da licitude da origem dos recursos e a não condenação em ação penal pelos crimes listados no parágrafo 1º do artigo 5º dessa lei”.