ConJur – Consultor Jurídico
04/12/2020
As informações que circulam nas redes sociais ganham tamanha relevância na sociedade que mudam até os rumos políticos das maiores democracias do mundo. A tão conhecida “Yes We Can”, em 2008, peça fundamental do marketing político na vitória de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos, já sinalizava o poder das redes e até onde se poderia chegar com seu uso. Hoje, a ferramenta que revolucionou o jeito de as pessoas se comunicarem, se informarem e informar os outros mostra seu lado nocivo: a de propagação de fake news.
A Constituição Federal brasileira é expressa ao garantir o direito do cidadão de manifestar seu pensamento, sua opinião. Aliás, ao garanti-lo, ela o estimula, pois a liberdade de manifestação, em suas mais diversas formas, revela a plenitude de um Estado democrático de Direito, status ao qual o Brasil conseguiu chegar a duras penas.
Vejamos o que ela diz a respeito:
“Artigo 5º — Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…) IV. é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Seu artigo 220 também veda, categoricamente, a censura, para, mais uma vez, reafirmar o direito à liberdade de expressão:
“Artigo 220 — A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
(…) §2º. É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
Não é sem motivo. A liberdade de expressão assumiu especial relevância no campo das relações sociais e naquelas situações derivadas do espectro político-jurídico, dado o contexto da redemocratização do país, inserida dentro de um saudável ambiente republicano, que rechaçou a prática de censura recorrente nos anos sombrios do regime militar.
Atualmente, porém, a proliferação de plataformas tecnológicas de comunicação transformou radicalmente as circunstâncias sociais pelas quais os cidadãos se comunicam e se relacionam, por meio de aplicativos de mensagens instantâneas como o WhatsApp e das redes sociais, que possibilitam a comunicação instantânea e a atração de um público maior e indeterminado. Essa transformação se fez sentir de modo mais acentuado na atual pandemia da Covid-19, quando o isolamento social levou ao aumento exponencial das “transmissões ao vivo”, as conhecidas lives.
Se, por um lado, o fenômeno digital impulsiona a liberdade de expressão e o acesso à informação ao fomentar o livre fluxo de ideias, por outro, favorece a propagação indiscriminada de notícias falsas, uma vez que a rede é livre para qualquer um.
A grande questão é como compatibilizar a proteção à liberdade de pensamento, o impedimento da censura no ambiente online e os limites técnicos das redes sociais com a busca por maior transparência das práticas de moderação de conteúdos postados por terceiros em redes sociais — garantidos o contraditório e a ampla defesa —, com o combate às informações enganosas.
A Constituição Federal também dá a resposta. O artigo 220 não é um postulado ilimitado, imune às demais disposições constitucionais, já que pressupõe o respeito a outras liberdades e direitos também consagrados na Lei Maior, como os referentes à proteção da honra e da imagem, além da garantia de liberdade de crença.
Para isso, a atual legislação já põe à disposição daqueles que se sentirem ofendidos — inclusive politicamente, se for o caso — os mecanismos necessários para coibir o abuso ou vindicar qualquer reparação ou fazer cessar a propagação falsa, mediante acesso à prestação da tutela jurisdicional do Estado.
No campo eleitoral não é diferente, como se viu nas eleições de 2018 e nesta de 2020. A disseminação de fake news ganhou protagonismo, impulsionada pelo uso de contas digitais geridas por robôs — sabidamente (ou não) enganosas —, a resultar em danos irreversíveis às candidaturas. A vítima é o voto, que deve ser lúcido, voluntário, consciente e, sobretudo, livre de suborno, corrupção e desinformação também.
A Justiça especializada — Tribunal Superior Eleitoral e Tribunais Regionais Eleitorais — tem não só a competência, mas, acima de tudo, a obrigação e os mecanismo legais para velar pela lisura do pleito eleitoral, de modo a tutelar a garantia da livre manifestação da soberania do eleitor na escolha de seus representantes, com o fito de expurgar do cenário eletivo as práticas espúrias capazes de prejudicar a legitimidade dos resultados das eleições.